Sempre ouvimos
dizer que devemos manter valores, costumes; que devemos ser bons, torcer para
os mocinhos conquistarem seu “final feliz” e contra os vilões. A maioria das
sagas, sejam literárias ou cinematográficas (entende-se aqui também as séries
de tv), apresentam marcadamente o traço do bom e do mau caráter. O núcleo de
personagens classificados em preto e branco. Mas será que somos assim “na vida
real”? Ou somos bons ou somos maus?
Uma das sagas
mais comentadas e elogiadas nos últimos anos, “As Crônicas de Gelo e Fogo”, do
autor americano George R R Martin, consegue traduzir a complexidade do ser
humano em suas personagens. Apesar de conter elementos fantásticos, como magia
e dragões, a saga consegue mesclar, com maestria, tais elementos ao jogo sujo, à
política e à sobrevivência do dia a dia.
Os Stark são
na trama o exemplo de família, com bons costumes, valores; Ned Stark é a
personificação da honra dentro da obra de Martin; e, bem, as coisas não acabam
bem para ele e para sua família, quando precisam “jogar o jogo dos tronos” na
capital, junto com pessoas que não levam esses “bons valores” a sério e não se
prendem à honra, moral, ou seja lá mais o que for. A honra pesa e torna os
movimentos difíceis.
Isso leva a
pensar: Será que vale a pena manter tais valores na sociedade de hoje? Estamos
cercados de pequenos (e grandes) golpes, que se tornam tão corriqueiros que
acabam passando despercebidos e acabam por ser algo “natural”. Mentiras que
tragam benefícios, mesmo a curto prazo; intrigas. É o mundo dos espertos e quem
não é assim, dança!
Os personagens
de Martin se assemelham a nós, no caráter cinza, na forma de pensar em obter
alguma vantagem. Idolatra-se o cafetão sagaz que sempre tem um plano genial
para concluir um plano ainda maior e manipular tudo e todos. O assassino do Rei
que empurra uma criança de cima de uma torre para manter um incesto em segredo.
Até aí: vilões.
Mas então, em
capítulos seguintes são contados fatos anteriores, onde o cafetão foi um garoto
pobre que se apaixonou por uma garota de família importante e foi desprezado,
humilhado pelo pretendente da mesma e jurou a si mesmo que inverteria o jogo,
lidando com as pessoas a fim de prejudica-las. O assassino do rei que aleijou a
criança, matou o rei para proteger a cidade de ser queimada pelo mesmo, e
empurrou a criança da torre para proteger sua família (caso descobrissem seu
segredo). Não são atos
tão justificáveis na “vida real”, mas dentro da saga levam o leitor a
compreender os motivos das “vilanias”. Será que não somos assim também em
certos pontos? Sempre temos nossas razões para justificarmos nossas “más
ações”.
Mas nem só de
vilões vivem as personagens de Game of Thrones. Os “mocinhos” também têm seu
tom de cinza. A menina Stark, filha de um dos homens mais honrados da história,
após ver sua família destruída e se ver sozinha no mundo, torna-se uma
assassina. Vingança? Justiça? Que seja, mas não é lá uma qualidade adquirida.
Poxa, os mocinhos, só sofrem e têm de aceitar seu destino, não? Errado. A outra
filha, sempre inocente, acreditou demais na bondade (inexistente) das pessoas
da capital e nada de bom aconteceu a partir daí; então ela aprende, com o
cafetão-manipulador-sagaz, a jogar o jogo que ele aprendeu há muito tempo.
A empatia que
temos com os “vilões” de Game of Thrones (nome da série adaptada pela HBO) se
deve a essa luta diária que há dentro de cada um de nós. Podemos ser bons, mas
não somos apenas bons. Sempre teremos justificativas para nossas ações,
tentaremos cria-las, o que não quer dizer, no entanto, que todos entenderão ou
as aceitarão.
Para os fãs da
saga, muitos querem ser um Lannister “esperto”, um Petyr Baelish “sagaz”, um
Greyjoy “audacioso” e, talvez, até um Bolton “cruel”; mas no fundo sempre
haverá um Stark, que acredita no bem existente nas pessoas. Aquele que, lá em
determinado momento da história, foi chamado de “burro” e ingênuo também faz
parte de cada um de nós. Não somos pretos (maus). Não somos brancos (bons).
Somos cinzas! E é essa mistura que nos torna reais... Mesmo que neguemos até a
escuridão da Longa Noite terminar.
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